A personalidade é um elemento fundamental para a compreensão do comportamento humano. Dentro da teoria cognitiva, ela é vista como uma organização relativamente estável, composta por sistemas interligados, chamados de esquemas. Esses esquemas influenciam como interpretamos os eventos ao nosso redor e moldam nossos comportamentos e estratégias de enfrentamento. Quando esses esquemas se tornam inflexíveis e disfuncionais, podem dar origem aos transtornos de personalidade.

Neste artigo, explorarei como a teoria cognitiva compreende os transtornos de personalidade, analisando suas estruturas, padrões comportamentais e os perfis cognitivos associados a cada transtorno.

A base cognitiva da personalidade

Os esquemas são estruturas centrais da personalidade e funcionam como filtros pelos quais processamos informações. Eles determinam a maneira como interpretamos os estímulos externos e influenciam nossas respostas emocionais e comportamentais.

No entanto, esses esquemas nem sempre refletem a realidade de forma objetiva. O viés atributivo pode levar a julgamentos tendenciosos e erros cognitivos, resultando em sentimentos e comportamentos disfuncionais. A forma como atribuímos significado aos eventos inicia uma reação em cadeia que culmina em padrões de comportamento que, com o tempo, se tornam traços de personalidade.

A personalidade não é apenas um produto do ambiente, mas sim da interação entre fatores inatos (disposições genéticas) e influências ambientais. Esses padrões de comportamento, uma vez estabelecidos, tornam-se paradigmas familiares, resistentes à mudança e difíceis de modificar.

Nos transtornos de personalidade, essa rigidez é ainda mais acentuada. Os esquemas são ativados de forma constante, apresentam uma qualidade compulsiva e são difíceis de controlar. Diferente de transtornos como a depressão, em que certos esquemas só se ativam durante os episódios depressivos, nos transtornos de personalidade, esses esquemas fazem parte do processamento normal da informação do indivíduo.

Perfis cognitivos dos Transtornos de Personalidade

Cada transtorno de personalidade possui um conjunto predominante de crenças e estratégias, que formam um perfil cognitivo característico. Esses transtornos são agrupados em três clusters, de acordo com suas características principais:

Grupo A – Esquisitos e Excêntricos

1. Transtorno de Personalidade Paranoide

• Visão de si: Vulnerável ao mau tratamento dos outros.
• Visão dos outros: Enganadores, traiçoeiros e manipuladores.
• Crenças: “Sou vulnerável aos outros. Não se pode confiar em ninguém.”
• Estratégia: Estar sempre em guarda, mantendo-se hipervigilante.

2. Transtorno de Personalidade Esquizóide

• Visão de si: Autossuficiente e solitário.
• Visão dos outros: Intrusivos e controladores.
• Crenças: “Relacionamentos íntimos são frustrantes e complicados.”
• Estratégia: Manter distância das pessoas o máximo possível.

3. Transtorno de Personalidade Esquizotípica

• Visão de si: Isolado, vulnerável e possuidor de habilidades sobrenaturais.
• Visão dos outros: Inconfiáveis e malevolentes.
• Crenças: “É melhor ficar isolado. Tenho um sexto sentido que os outros não têm.”
• Estratégia: Manter vigilância contra ameaças sobrenaturais e sociais.

Grupo B – Dramáticos e Emotivos

4. Transtorno de Personalidade Antissocial

• Visão de si: Autônomo e forte.
• Visão dos outros: Fracos ou exploradores.
• Crenças: “Tenho que ser o agressor para não ser vítima.”
• Estratégia: Engano, manipulação e exploração dos outros.

5. Transtorno de Personalidade Borderline

• Visão de si: Frágil, desamparado e defeituoso.
• Visão dos outros: Ideais ou rejeitadores.
• Crenças: “Preciso me submeter para não ser abandonado.”
• Estratégia: Comportamento dramático, automutilação e tentativas de suicídio como escape.

6. Transtorno de Personalidade Histriônica

• Visão de si: Glamuroso e impressionante.
• Visão dos outros: Receptivos e seduzíveis.
• Crenças: “As pessoas estão aí para me admirarem e me servirem.”
• Estratégia: Uso do charme, dramaticidade e explosões emocionais.

7. Transtorno de Personalidade Narcisista

• Visão de si: Especial e superior.
• Visão dos outros: Admiradores que devem confirmar sua superioridade.
• Crenças: “Sou especial e mereço privilégios.”
• Estratégia: Busca por status, competição e necessidade de atenção.

Grupo C – Ansiosos e Medrosos

8. Transtorno de Personalidade Evitativa

• Visão de si: Socialmente inadequado e incompetente.
• Visão dos outros: Críticos e capazes de humilhar.
• Crenças: “Não sou digno de amor.”
• Estratégia: Evitar situações de avaliação e exposição social.

9. Transtorno de Personalidade Dependente

• Visão de si: Frágil e incapaz.
• Visão dos outros: Cuidadores e figuras fortes.
• Crenças: “Preciso dos outros para sobreviver.”
• Estratégia: Cultivar relacionamentos dependentes.

10. Transtorno de Personalidade Obsessivo-Compulsivo

• Visão de si: Responsável por si e pelos outros.
• Visão dos outros: Autoindulgentes e incompetentes.
• Crenças: “Qualquer falha levará ao caos.”
• Estratégia: Seguir regras rígidas e exercer controle excessivo.

Os transtornos de personalidade refletem padrões cognitivos disfuncionais profundamente arraigados, que moldam a maneira como os indivíduos percebem a si mesmos e os outros. A teoria cognitiva nos ajuda a entender que essas condições não surgem do nada, mas são o resultado de esquemas inflexíveis que governam o processamento da informação ao longo da vida.

Modificar esses padrões não é uma tarefa simples, pois envolve uma mudança profunda na forma como a pessoa se vê e se relaciona com o mundo. O processo terapêutico precisa levar em conta a resistência natural à mudança e trabalhar de forma cuidadosa para flexibilizar esses esquemas, promovendo uma adaptação mais saudável à realidade.

Compreender os perfis cognitivos dos transtornos de personalidade é essencial para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas eficazes, permitindo que os indivíduos possam reestruturar suas crenças e encontrar formas mais funcionais de viver e se relacionar.